quarta-feira, 18 de março de 2015

Palácio de lona (Agostinho Fortes)


Poesia, magia, alegria e acrobatas pelo ar
Um dia naquela cidade eu vi
Essa trupe chegar
Mambembe, que loucos
E que foram aos poucos
Erguendo
Um palácio de lona
Tremendo

Quem diria um dia a alegria acampasse por aqui
Mesmo o velho ranzinza com seu terno cinza
Pediu pra repetir
O canto dos loucos
Que foram aos poucos
Erguendo
Um palco de sonhos
Tremendo

A moça feia que só se escondia e vivia a chorar
Ouvindo falar dos bandidos vadios
Apareceu por lá
Mambembe fugido
Fera e rugido
Sedento
E o sangue das virgens
Fervendo

A mal falada e mais desejada pelos homens de lá
Ao ver o palhaço aprontando, caindo de bunda
Resolveu se casar
No picadeiro
Ao som de um pandeiro
Bebendo
Era a noiva mais séria
Do elenco

E a cotovia, que eu nunca via, veio sobrevoar
O sério prefeito, mesmo sem jeito
Se pôs a dançar
E toda gente sofrida
Que apanha da vida
Sorrindo
A meninada assanhada
Curtindo

O rico e o pobre juntaram seus cobres pro circo ficar
Mas todos sabem que todo artista
Tem que se espalhar
Trupe fugida
Na estrada perdida
Sem lona
Sem plateia, pedindo
Carona

domingo, 1 de março de 2015

As duas (Agostinho Fortes)


Se uma só quis beijar
A outra se guardou pura
E condenou com o olhar
Qualquer loucura

Se uma perdeu a conta
A outra foi mais precisa
Sonhou sempre em se casar
Antes dos trinta

Se uma foi com os bandidos
Pelas ruas da agonia
A outra quis seu herói
Na fantasia

Enquanto uma se deu toda
E seu dorso se contorcia
A outra se recolheu
Pra um novo dia

E se as duas vão se cruzar
Cada olhar vai reconhecer
Na tristeza do outro olhar
O seu sofrer

E se uma quiser chorar
O vazio que foi uma vida
Pode preencher o da outra
Nunca vivida

Hoje uma ainda sonha
Espera o amor da vida
A outra não tem vergonha
E gosta de margarita