segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Ana falou de mim (Agostinho Fortes)

Hoje alguém dizia
Que Ana falou de mim
E que muito maldizia
Dizem até que ria
Dos anos junto a mim

E eu que já nem lembrava
Que um dia amei tal mulher
Parece que vive brava
Não entendo tanta raiva
E por que mal me quer

Ana mandou recado
Será que é mesmo pra mim?
Diz que tem um namorado
Que lhe faz um bem danado
E vai se casar enfim

Mas Ana não sorria
Na foto de algum jardim
Parecia tão vazia
E o pouco que nela havia
Era o que guardou de mim

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Seus cuidados (Agostinho Fortes)

Ela esbanja tempo
Enquanto eu cato as horas
Que ela displicente
Vai jogando fora

Enche de aventuras
O meu velho coração
Que bate fraco e lento
Na cadência da solidão

Esnoba a minha alegria
Sorrindo tão juvenil
Lembra dos meus remédios
Mas vive com o corpo febril

Gosta de me ver contar
Sobre as travessias no mar
Sobre épicas batalhas
Que travei no meu caminhar

Amanhã não terei seus cuidados
Ela disse que vai se casar
Vai penar, vai sorrir, vai ter filhos
E depois vai também me contar

Joana, diz pro teu moço
Pra ele não se enciumar
Que eu já não tenho cobiça
Só a minha preguiça
Pra te dar

Joana, por onde andas?
Eu quero tanto te olhar
E então na chama da vida
Que arde em teus olhos
Me esquentar

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Andarilho (Agostinho Fortes)

Já andei por tantos mundos
Já vi mundos maltratados
Miseráveis e imundos
Entretanto delicados
Com amores mais profundos
Do que aqui por esses lados

Vi mulheres que amavam
Por palácios e dourados
E beijavam e velavam
Maridos envenenados
Vi o amor mais verdadeiro
Nos menos afortunados

Vi o suplício e a corrente
Vi gente vendendo gente
Vi um escravo alforriado
Retornando tão contente
Pro engenho atordoado
Não quer mais seguir em frente

Vi a igreja espalhando
Muitas missas indecentes
Lindas bruxas vi queimando
Vi no inferno inocentes
Vi uma fé inexplicada
No olhar dos mais carentes

Vi no repicar dos sinos
No soar de mil trombetas
Vi no rufo dos tambores
No golpe das baionetas
Consagrada a guerra santa
E o terror pelo planeta

Vi meninos que sonhavam
De arma empunhada
Virar fogos de artifício
Alumiando a madrugada
Explodindo em sacrifício
Pra no céu ter namoradas

Vou cansando pela trilha
Meu passeio me redime
No meu radinho de pilha
Vou ouvindo mais um crime
Entre a cruz e a espada
Subo aos céus num passo firme

Vejo fogos de artifício
Vejo bruxa alforriada
Vejo escravos de dourado
Com a vista já cansada
Subo aos céus embriagado
Saio enfim sutil da estrada