segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Andarilho (Agostinho Fortes)

Já andei por tantos mundos
Já vi mundos maltratados
Miseráveis e imundos
Entretanto delicados
Com amores mais profundos
Do que aqui por esses lados

Vi mulheres que amavam
Por palácios e dourados
E beijavam e velavam
Maridos envenenados
Vi o amor mais verdadeiro
Nos menos afortunados

Vi o suplício e a corrente
Vi gente vendendo gente
Vi um escravo alforriado
Retornando tão contente
Pro engenho atordoado
Não quer mais seguir em frente

Vi a igreja espalhando
Muitas missas indecentes
Lindas bruxas vi queimando
Vi no inferno inocentes
Vi uma fé inexplicada
No olhar dos mais carentes

Vi no repicar dos sinos
No soar de mil trombetas
Vi no rufo dos tambores
No golpe das baionetas
Consagrada a guerra santa
E o terror pelo planeta

Vi meninos que sonhavam
De arma empunhada
Virar fogos de artifício
Alumiando a madrugada
Explodindo em sacrifício
Pra no céu ter namoradas

Vou cansando pela trilha
Meu passeio me redime
No meu radinho de pilha
Vou ouvindo mais um crime
Entre a cruz e a espada
Subo aos céus num passo firme

Vejo fogos de artifício
Vejo bruxa alforriada
Vejo escravos de dourado
Com a vista já cansada
Subo aos céus embriagado
Saio enfim sutil da estrada

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